Metade dos brasileiros segue off-line; veja depoimentos de 'desconectados'
O PNBL (Programa Nacional de Banda Larga), do governo federal, determina que todas as cidades do Brasil tenham conexão com velocidade de 1 Mbps oferecida a R$ 35 até o fim de 2014.
"A gente sabe que, no mundo de hoje, isso não basta: as aplicações com maior potencial socioeconômico, como assistir a uma aula, estão relacionadas a uma velocidade superior", diz o gerente de banda larga do Ministério das Comunicações, Pedro Lucas da Cruz Araújo.
A UIT (União Internacional de Telecomunicações) chama de banda larga as conexões com 1,5 Mbps ou mais.
Mas a velocidade não é o maior dos problemas.
Vivem sem Google, sem Facebook e sem Wikipédia 86 milhões de brasileiros com 10 anos ou mais, ou 49,1% de um total de 169 milhões de pessoas nessa faixa etária, segundo dados do IBGE do fim do ano passado.
São pessoas pobres, "analfabetos digitais" ou que vivem em lugares isolados. "A exclusão digital segue a mesma lógica da exclusão social", diz a secretária de inclusão digital do Ministério das Comunicações, Lygia Pupatto. "Temos deficit maior nas classes C, D e E, e as regiões com maior demanda são Norte e Nordeste."
É entre esses grupos que o crescimento vem sendo mais acelerado, segundo Adriana Beringuy, pesquisadora do IBGE. "Também avançaram [em acesso à internet] as pessoas com mais de 60 anos."
Em 2011, a parcela dos que já estavam on-line era de 46,7%, o que significa que o país pode ter mais da metade conectada. Segundo a UIT, a fatia é de 95% na Noruega, de 81% nos EUA, de 56% na Argentina e de 42% na China.
Das 5.564 cidades que existiam quando foi criado o PNBL (hoje há outras seis), em 2011, 3.214 são atendidas.
Editoria de arte/Folhapress
NÃO QUERO
Mas nem todos estão desconectados só por não ter condição financeira necessária. "Não suporto internet, celular, essas coisas", diz o motorista Jorge Feitosa, 59. "Ali, você pode ser roubado, falta sigilo. Não tenho medo, mas para mim não encaixa. Meu negócio é cartão no orelhão", conta. Ele diz que, apesar de ser contra, comprou um computador para seu filho.
A dona de casa Cristiane Gradinar, 38, diz que já chegou a procurar emprego on-line, mas que não tem interesse em se conectar de novo. "Também não uso porque sou evangélica", diz. A igreja que frequenta não proíbe internet, "mas tem muita coisa [on-line] que não é permitida", diz.
Com suas horas divididas entre a escola e a venda de bebidas na praça da Sé, o menino Marcelo Silva, 15, diz que nunca teve a oportunidade de usar a internet. "Até quero, mas ninguém na minha casa compra, então não tenho como usar", conta.
Já a dona de casa Maria Lúcia Mendonça, 65, diz que já tentou usar o PC --tarefa que, quando precisa, pede à filha--, mas não conseguiu. "Só para escrever meu nome, levava uma eternidade. Não tenho paciência", diz, contando que tem medo de perder dinheiro usando a internet, por causa da falta de segurança.
O corretor imobiliário Eduardo Fernandes, 56, precisa enviar e-mails a clientes, mas onde vive, uma chácara no limite entre São Paulo e Itapecerica da Serra, não chega a conexão a cabo --ele recorre a lan houses. "Também uso no Poupatempo, mas é muito devagar", reclama.
Para o Ministério das Comunicações, o maior problema ainda é a infraestrutura, já que há muitos lugares desinteressantes do ponto de vista econômico para as operadoras --e é delas a decisão de prover ou não o acesso.
Mas a gigantesca tarefa de universalizar o acesso é só um primeiro passo. "Acho que uma coisa é a pessoa saber usar a internet", diz Pupatto. "A outra, que é o nosso desafio, é ela se apropriar dela, abrindo possibilidades que realmente mudam a vida, como educação à distância e projetos culturais."
Para Alexandre Fernandes Barbosa, gerente do Cetic (Centro de Estudos sobre as Tecnologias da Informação e da Comunicação, que faz parte do CGI, Comitê Gestor da Internet), "não basta um cidadão da periferia usar a lan house e acessar o Facebook se não souber fazer outra coisa. O desenvolvimento de habilidades é fundamental."
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