quarta-feira, 25 de setembro de 2013

POLÍTICAS PUBLICAS DE COMUNICAÇÃO PARA O RÁDIO


AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMUNICAÇÃO PARA o RÁDIO BRASILEIROREGULAÇÃO, DIGITALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO 

André Barbosa Filho*



* Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP; Mestre em Ciências da Comunicação pela Umesp. Radialista, músico e pesquisador. Atuou como Assessor Especial da ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República para políticas públicas de comunicação.Superintendente de Suporte da EBC - Empresa Brasil de Comunicaco. Autor dos livros: Gêneros radiofônicos: os programas e os formatos em áudio (Paulinas, 2003); Rádio: sintonia do futuro (Org.) (Paulinas, 2004) e Mídias digitais: convergência tecnológica e inclusão digital (Org.) (Paulinas, 2005). Convergencia Digital, Com Cosette Castro ( Paulinas 2007)Pesquisador associado no LAPCom/UnB. – E-mail: sonido@uol.com.br

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INTRODUÇÃO

Nos últimos 30 anos, temos assistido ao crescimento da exploração dos servi- ços de comunicação audiovisuais e sonoros pela iniciativa privada. O evento tem sido observado em diversos países da Europa, onde, por décadas, o modelo de con- trole foi, eminentemente estatal, principalmente em relação aos complexos de administração da criação, produção e exibição de ações para o rádio e a televisão.
A escolha européia, em síntese, foi a de instaurar uma política pública de comunicação que, de imediato, fizesse frente aos altos investimentos de capital e acrescentar ao cenário midiático uma estratégia voltada para a manutenção do interesse coletivo. (PAULU, 1981). Entretanto, a observação dos resultados inerentes a esse esforço resultou, em alguns poucos casos, na manutenção de um sistema público de rádio e televisão atuante e, na grande maioria, na participação em alguns segmentos desinteressantes para o setor privado e, portanto, sem uma resposta de audiência significativa.
A máxima consagrada pelas democracias ocidentais quanto aos princípios essenciais da comunicação social diz respeito à liberdade de expressão, que, através do conjunto de normas jurídicas pertinentes, pretende assegurar ao cidadão, de forma indiscriminada, o direito à informação, à busca da verdade, à sua realização pessoal, à sua formação e ao apoio ao conhecimento dos direitos e das obrigações individuais, na tentativa de assegurar a todos uma sociedade justa e integrada, na qual se persiga o permanente aperfeiçoamento das instituições. (VOGEL, 1994).
O aspecto fundamental desse processo de construção de idéias e atitudes re- side na estrita observância de regras básicas de competitividade entre as empresas do setor, e no estabelecimento de critérios de equilíbrio de oferta e demanda, regulados pelo Poder Público e por grupos representativos da sociedade civil. Respeita-se aí a diversidade de opiniões e o direito ao controverso, mantendo limites ao acesso do capital estrangeiro e praticando a defesa da empresa de comunicação nacional no que se refere à intervenção espúria nos conteúdos de suas produções artísticas e na veiculação de mensagens jornalísticas. (LINS, 2001).
A nova estrutura de informação, assegurada pelo fenomenal avanço tecnológico, permite alcançar, em segundos, bilhões de pessoas simultaneamente, em todo o planeta.
A linha de produção, dentro das modernas empresas de comunicação, é complexa, e suas especificidades reclamam uma organização nas áreas administrativa, tecnológica e de recursos humanos, que representa – para sua manutenção diária – um gigantesco aporte financeiro, nem sempre disponível aos pequenos e médios empresários, aos sindicatos e às associações civis, atuantes nos países em desenvolvimento.

Desse modo, podemos concluir que a dependência em relação às verbas public- itárias, à aquisição quase constante de instrumentos tecnológicos de produção e trans- missão (fruto das transformações provocadas pela permanente mudança nos sistemas de operação e programadas milimetricamente pelos fornecedores constituídos, primor- dialmente por empresas multinacionais), e à conseqüente dificuldade de formação de mão-de-obra qualificada e permanentemente atualizada, faz do radiodifusor nacional presa fácil do capital e de seus interesses. (BAGDIKIAN, 1993).
A tudo isso, soma-se a baixa oferta de freqüências para o exercício das ativi- dades ligadas à radiodifusão. Muito embora os novos serviços oferecidos como os sistemas a cabo, MMDS e satélites permitam pouco controle em relação à convi- vência de sinais, mesmo esses sofrem, por parte do Estado, o cerceamento legal para obtenção de concessões.

REGULAÇÃO DO CAMPO DA RADIOFUSÃO

As formas de organização do mercado de radiodifusão no mundo ocidental se apresentam do seguinte modo:
– o sistema de radiodifusão privado, acrescido de pequena participação de mercado pela radiodifusão estatal oficial e de emissoras de caráter público;
  • –  o sistema de monopólio estatal da radiodifusão, no qual é admitida, de
    modo incipiente, a presença de empresas independentes; e
  • –  o sistema misto, no qual, em virtude da quebra do monopólio estatal, as emissoras sedimentadas competem abertamente com as operadoras pri-
    vadas. (SQUIRRA, 1995).
    A necessidade de regulação dos serviços de radiodifusão ganhou espaço em diversos países, após sua privatização, especialmente naqueles onde havia a prática do controle estatal dos sistemas de produção e transmissão de produtos audiovisuais radiodifundidos. O modelo norte-americano foi o escolhido como referência.
    Nos EUA, questões referentes à pressão da mídia pelo governo central em busca de divulgação de suas posições ideológicas ou administrativas e a compulsiva fixação das li- nhas políticas de orientação da opinião pública pelos proprietários de veículos de informa- ção, aliam-se à coação dos anunciantes em direção aos veículos com o mesmo propósito, visando a influir nas ações governamentais para obtenção de vantagens. (LINS, 2001).
    Mas por lá, tais relações são parcialmente resolvidas pelo mercado, obede- cendo às diretrizes da livre competição, numa equação que reúne os fatores da defesa da livre expressão e da liberdade empreendedora, mesmo com a fiscalização da Federal Communications Commission (FCC), órgão regulador do setor que limita a alocação de freqüências e impõe normas e parâmetros técnicos de operação.

Na Europa, especialmente na Itália, França, Alemanha e Inglaterra, o decan- tado processo de privatização, em alguns casos motivado pelo anseio dessas socie- dades em quebrar o monopólio estatal, através de transmissões baseadas no conceito da desobediência civil, gerou o fenômeno das rádios livres. Também gerou distorções na relação do controle dos veículos, como no caso italiano, onde se estabeleceu um duopólio entre a RAI, estatal, e a rede do grupo Fininvest, de Ber- lusconi, consolidada pela legislação de 1990.1
As regras dessa matriz reguladora foram montadas a partir de alguns con- ceitos retirados da prática cotidiana, respeitando questões operacionais, políticas e legais que podem ser descritas como segue:
– os veículos utilizam uma tecnologia de oferta restrita como o espectro ra- diofônico, as estradas de informação alimentadas por fibra ótica, canais adjacentes de serviços de telecomunicação em ociosidade. O agente fisca- lizador estabelece normas para a utilização desses recursos;
– os conteúdos artísticos e informativos estão sujeitos à fiscalização, tendo em vista a defesa dos direitos patrimoniais dos autores das obras e dos textos e a proteção do indivíduo menor de idade, visando à preservação dos valores morais; e
– em razão da tendência de concentração do aporte de verbas publicitárias em alguns poucos veículos de maior penetração popular e da conseqüente formação de oligopólios, o agente regulador deve ter o poder de estruturar uma política de coerção a esses abusos, objetivando o equilíbrio da oferta de idéias, a diversidade de opiniões e interpretação dos fatos, restringindo as tentativas insidiosas do controle informativo da opinião pública.
Tal regulação é realizada por agentes com características e poderes diferen- ciados. São exemplos, a administração direta pelo Estado ou por meio de fiscali- zação policial e a exercida por órgão regulador independente. (TEHRANIAN, 1990). Já no Brasil, a regulação das ações dos agentes de produção e da radiodifusão se dá através da administração direta, realizada pelo Ministério das Comunicações, cuja existência de um órgão independente tem importância reduzida, em razão de sua limitação como agente fiscalizador e normatizador dessas atividades.
No cenário mundial atual, um órgão regulador pode desempenhar funções específicas:
– a função de regulamentação – limitação sobre a propriedade de veículos, formação de grupos controladores, operação em rede, execução e fisca- lização dos serviços:
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  • –  a função de administração do setor – estabelecendo regras para o uso dos recur- sos de transmissão, a escolha dos concessionários, a observância dos indicadores e as situações localizadas de mudança do regime estatutário das empresas, etc.;
  • –  a função de controle – que estabelece critérios de verificação da qualidade técni- ca das transmissões, da gestão das empresas e dos conteúdos de programação; e
  • –  a função de julgamento e aplicação de penalidades – que inclui todos os procedimentos referentes à apuração, ao indiciamento e à utilização de
    sansões. (LINS, 2001).
    Uma questão a suscitar, atualmente, grande polêmica nas sociedades demo- cráticas, diz respeito ao controle dos conteúdos. A aplicação de restrições aponta para algumas direções, tais como: a garantia da diversidade de opiniões, a proteção ao menor, o controle da violência e da pornografia e as limitações dos espaços reservados à publicidade e ao telemarketing.
    No caso brasileiro, a ampla liberdade de expressão conquistada com a redemo- cratização traz em seu bojo restrições mínimas. As regras de limitação dos oligopólios estão restritas à limitação da propriedade de emissoras por pessoa física e região, o que não restringe a formação de redes, o poder das empresas na exploração de suportes multimídia e a manutenção perene de índices absolutos de audiência.
    Quanto à proteção ao menor, o controle da violência e da pornografia, a inser- ção de espaços publicitários com divulgação de produtos perniciosos à sua formação, nosso país tem legislação semelhante à de outros países ocidentais. Estabelece limi- tações de horário à exibição de programas de caráter erótico, proibindo, também, a veiculação de mensagens disseminadoras do uso de álcool e fumo, agrotóxicos, medi- camentos, armas e munições, durante a faixa de programação voltada para o público infantil, pedofilia e divulgação de sorteios e prêmios pelo serviço de telemarketing.

    RÁDIOS PÚBLICAS: AS POSSIBILIDADES DE REDES COMUNITÁRIAS

    A realidade da radiodifusão brasileira privada, conforme exposto acima, está à mercê das relações de mercado, submetida a restrições legais, cujo alcance tem, sem dúvida, parcos efeitos reais. A oferta de conteúdos, sem o comprometimento com as respostas imediatas aos investimentos publicitários, deve permitir a participação de agentes de modo a oferecer ao público uma visão multifacetada das realidades política, econômica e cultural. Deve, igualmente, estar ligada, ao incentivo de pro- postas de atuação de sistemas públicos de radiodifusão, cujo posicionamento marque uma posição complementar à representada pela mídia comercial.
    Assim, poderemos assegurar a manutenção de políticas de suporte à produção de conteúdos que atendam aos valores culturais e sociais e que representem as
manifestações autenticamente populares, quase sempre distantes da programação de emissoras privadas.
Essa ausência sempre vem justificada pelo argumento de que tais inserções não asseguram o nível de audiência que os patrocinadores necessitam para investir. O que é paradoxal nessa análise é a verificação de que o sistema privado, tendo a criação de produtos sonoros e audiovisuais engessada pela ditadura dos índices das pesquisas de audiência, montou metodologias de auscultação dessa escolha. Isso acon- tece em reuniões periódicas de mensuração de tendências, de pesquisas qualitativas, cujos referenciais de preferência são medidos através da captação da opinião de grupos de indivíduos que apresentem um discutível perfil sociológico comum e a partir da observação de conteúdos pré-produzidos e alimentados pelos interesses comerciais. Desse modo, o que é autenticamente popular é substituído pelo popularesco, com a ingerência de uma oferta de programação artificial, licenciosa, preconceituosa e

consumista, numa autêntica política anestesiante de dominação.

A informação dos fatos políticos e econômicos relevantes, cujo teor necessite de

debate entre as partes envolvidas ou de um formato temático mais extenso e aprofun- dado para o seu necessário conhecimento, no mais das vezes recebe o desprezo das editorias das empresas de informação. Isso ocorre por não resultarem em manchetes que puxem as vendas ou que desatendam aos seus interesses, nem sempre transparentes.
Esses fatos devem estar presentes na oferta de programação de um sistema público, formado por redes integradas de emissoras educativas, universitárias, comu- nitárias e institucionais, conduzidas com esmero técnico e obedientes a um processo semiótico concernente à aproximação do universo de conhecimento da população em geral. E, principalmente, numa proposta que privilegie a voz dos locais, através da:
  • –  oferta da formação permanentemente atualizada de jornalistas, radialistas e técnicos para atuação nas suas regiões de origem, em parceria com as uni- versidades públicas, centros de aprendizagem e sindicatos;
  • –  montagem de núcleos regionais de produção e retransmissão de mensagens audiovisuais e sonoras de qualquer gênero, priorizando a demanda dos pú- blicos respectivos;
  • –  disponibilização dos meios de transmissão de sinais analógicos e/ou digitais, aproveitando e ampliando a estrutura da rede de radiodifusão institucional, como a Radiobras, com a inclusão de emissoras públicas independentes, educativas e/ou universitárias, de pequeno porte e de baixa potência ou comunitárias;
  • –  difusão dos variados e ricos acervos culturais e sociais presentes nas diversas regiões do País, dirigida à sociedade que os abriga, num processo de retroali- mentação que permita sua permanência e valorização, mediante ativa parti- cipação dos agentes sociais e da recepção desses conteúdos em canais locais públicos; e
– realização de projetos de permuta de conteúdos com emissoras nacionais e internacionais, especialmente as iniciativas como a “Rede Sur”, projeto televisivo que soma esforços das emissoras públicas da Venezuela, do Uru- guai e da Argentina, objetivando a transmissão de produções variadas e de interesse popular.
Esses conteúdos não são escolhidos, obrigatoriamente, pelo critério discrimi- natório dos ditos detentores do saber, desrespeitando-se aí o gosto popular, através da parcialidade preferencial pelo dito bom gosto, baseada em valores culturais das elites, como tem sido, ao longo da história, a oferta de programação das rádios e TVs públicas brasileiras.
O público brasileiro, em geral, permanece – a se manter a atual oferta de conteúdos – apartado da produção, observação e reflexão de sua própria realidade, tendo em vista os índices absolutos de audiência referentes às programações comer- ciais em rede, transmitidas de grandes centros, onde se encontram os núcleos de produção e os grandes anunciantes, em detrimento da cobertura de eventos coti- dianos locais.
O investimento nessa nobre direção, aliado a um marco regulatório que permita a presença dos valores populares em nossos meios de comunicação sonoros e audiovisuais é urgente e indispensável. Só assim, será possível implantar políticas sociais necessárias para a conquista da verdadeira emancipação de todos os setores da sociedade brasileira.

PROPOSTAS DE FINANCIAMENTO DE UM PROJETO PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL SONORA E AUDIOVISUAL

O estudo da obtenção de receitas que façam frente às despesas de custeio e investimento – necessárias à implantação e à manutenção de emissoras públicas de Rádio e Televisão – passa, inicialmente, pela definição das características e propriedades estatutárias dessas instituições e pelas possibilidades de captação desses ativos.

As emissoras públicas brasileiras, apresentam-se como:

– empresas estatais, ligadas à administração direta do Estado, caso da Radio-


bras; e

–empresas públicas, sejam elas: fundações de caráter privado, nas quais

Estado e representantes da sociedade civil dividam o gerenciamento (exem- plo da Fundação Padre Anchieta, de São Paulo), sejam associações comu- nitárias; as fundações de caráter público que abriguem emissoras educa- tivas, além de emissoras universitárias, ligadas à estrutura das autarquias públicas de escopo educacional superior.

A programação das emissoras públicas, em geral, segue linhas de atuação definidas, tais como:
  • –  divulgação de fatos e procedimentos de caráter público e governamental, nem sempre de forma independente e neutral;
  • –  divulgação de programação de elite, voltada a temas eruditos;
  • –  divulgação científica de debates, análises e estudos de casos, em espaços
    raríssimos;
  • –  divulgação de programação educativa e de ensino a distância;
  • –  programação infantil, com exemplos de grande êxito, inclusive na órbita
    internacional;
  • –  dramatização. Pequenas séries ou programas de esquetes;
  • –  esportes, quase nunca voltados para o desporto amador; e
  • –  espaços reservados à divulgação de programação local, de cultura popular e
    atividades comunitárias, além de programas com linguagem experimental.
    A adoção de práticas de captação de recursos, conhecida como apoio cultural, além da utilização das legislações de incentivo à cultura, são formas de sustentação de custos operacionais, que se somam, muitas vezes, a subsídios oferecidos pelo Poder Pú- blico. Essas verbas têm, muitas vezes, caráter pontual, tornando-se insuficientes para a manutenção de uma política desejada de enfrentamento sadio com a iniciativa privada.
    No mundo, a radiodifusão pública apresenta formas de financiamento dife- renciadas, tais como:
    contribuições espontâneas: como no caso das comunitárias e das rádios étnicas, na França e no Canadá e de campi, ligadas a alunos de universidades em países europeus;
    subsídios: como as rádios argentinas de fronteira, tais como incentivos fiscais para compra de equipamentos através da isenção de impostos, redução de taxas de fiscalização e de uso das freqüências;
    contrapartidas: alguns países, em troca da implantação e da manutenção de emissoras de caráter público, atendem aos pedidos de empresas para a obtenção de concessões em grandes centros;
    renúncia fiscal: são concedidas isenções como compensação a empresas que invistam em programações de rádios públicas. Em outros casos, admite-se essa aplicação como atividade típica de entidades sem fins lucrativos, viabilizando o custeio da empresa;
    aplicação direta de recursos públicos: é o caso mais comum, inclusive nos EUA, no Japão, em países europeus e no Brasil; e
    – veiculação de publicidade: modo que acaba recebendo críticas de empresas comerciais congêneres que alegam competição desleal, assim como a desvirtua- ção dos princípios norteadores daquelas entidades sem finalidades lucrativas.
    - crownfunding - contribuições espontâneas provenientes da sociedade civil para realização especifica de um programa ou evento.

Hoje, com as restrições orçamentárias vigentes na economia de quase todos os países com políticas de restrições de gastos e enxugamento dos investimentos, os exemplos de parceria com a iniciativa privada são pouco alvissareiros.
Na Itália e na França, as rádios livres, inicialmente clandestinas – antes das leis nacionais como a do presidente gaulês François Mitterrand, que as alforriou no início dos anos 70 –, atingiram índices satisfatórios de audiência. Entretanto, ape- sar de poderem optar por um gerenciamento submetido às leis de mercado, escolheram, sistematicamente, a gestão sustentada com recursos do Poder Público.
No Brasil, sem adoção de qualquer política de sustentabilidade com apoio público, a roupagem comercial adotada pela maioria das emissoras de baixa potência, além do uso com finalidades religiosas, acaba por isolar experiências genuínas, verdadeiramente comunitárias. São exemplos dignos de nota de um procedimento verdadeiramente comunitário:
  • –  a emissora fluminense Pop Goiaba que oferece programação alternativa ou as com propostas legítimas de divulgação da cultura e da diversidade;
  • –  a Rádio Constelação, de uma comunidade de deficientes visuais de Belo Horizonte;
  • –  a Rádio Muda, da Unicamp, criada pelos alunos na tentativa de exercitar novas propostas de linguagem sonora; e
  • –  a Rádio Heliópolis, fincada em meio à explosão populacional da favela Heliópolis, na Grande São Paulo.
    São exemplos reais, concretos do que se pode fazer em prol da liberdade de expressão, da diversidade cultural e do desenvolvimento local através da ferramenta de radiodifusão sonora. Mas entre as estimadas 14 mil emissoras não-autorizadas e que transmitem em sinal de FM em baixa potência, elas são exceções.

    O panorama hoje é sombrio. A pergunta que cabe é: de que forma podem ser construídas as regras do embate por uma comunicação livre, rica em expressividade, aberta a todos os tipos de intervenção?
    Acreditamos que é necessário e urgente que o Estado brasileiro crie um marco regulatório para estabelecer normas gerais, onde viceje a boa semente da liberdade e do acesso universal à informação.

    Em nossa compreensão, urge a construção de uma política que teve grande impulso numa conferência nacional de radiodifusão comunitária em 2010 na qual se pon-deraram as questões de ordem nesse cenário de fundamental importância para ela- boração de uma identidade coletiva através da comunicação popular.
RADIO DIGITAL

Entre todas essas questões de fundamental importância, surge outro debate essencial, voltado à inevitável introdução da digitalização, o Rádio digital. Ele oferece melhor qualidade sonora, inexistência de interferência, redes com emissoras na mesma freqüência (redes de freqüência única), rentabilizando o espectro radiofônico e permitindo a adição de textos, dados e até de imagens.
Este é um momento cuja questão da convergência e da mudança de sistemas de transmissão, produção e recepção de sinais não podem ficar à margem da universidade e da análise crítica da opinião pública, pois terá, com toda certeza, fortes implicações no projeto de emancipação da população brasileira em relação à sua inclusão digital, apoiado nos instrumentos de comunicação contemporâneos.
O Rádio digital abre oportunidades de criar/reconstruir textos e programas, através da construção e desconstrução sonora no ambiente de rede, permitindo o acréscimo individual de novos conteúdos e sua circulação em tempo real. Ou seja, de casa ou de uma sala de aula, uma ou mais pessoas com computador e acesso à internet podem rapidamente planejar e editar programas, utilizando outros for- matos disponíveis na rede.
Além de baratear os custos e dar mais agilidade e rapidez aos trabalhos, o Rádio digital possibilita a recepção simultânea convivendo com a construção de acervos pessoais, conhecidos como metadata ou podcasting. Esses acervos serão de grande ajuda para a instalação de Rádios comunitárias em diferentes regiões do País, permitindo a inclusão digital. Além disso, a utilização de informes em texto agregados à transmissão sonora poderá possibilitar a criação e o desenvolvimento de novos ou híbridos formatos, que ultrapassem os conhecidos até então, pensados diretamente pelos atores sociais envolvidos.
A instituição pioneira nos serviços de Rádio digital foi a BBC, de Londres, que desde 1995 se utiliza do sistema Digital Áudio Broadcasting (DAB) em rede nacional na Grã-Bretanha, como membro integrante do projeto EUREKA-147, padronizado pelo European Telecommunications Institute (Esti).

Esse sistema DAB, para transmissões na banda de FM tem características sui generis; entre essas, a oferta de multisserviços, com a emissão de dados veiculados através de display de cristal líquido no receptor de rádio.
Apesar de poder ser aproveitada na freqüência mundialmente utilizada de 88 MHz a 108MHz, o DAB o é na Europa, no Canadá e na Austrália em freqüências diferenciadas.
Uma vertente do sistema terrestre DAB é a que opera via satélite, conhecida como Digital Satellite Radio (DSR) em freqüências regulamentadas pela World Ad- ministrative Radio Conference (WARC-92). No continente europeu duas empresas já estão operando pelo DSR, a Global Radio e a Alcatel World Space.
Outro sistema em operação na Europa é o Digital Radio Mondiale (DRM) administrado por um consórcio formado pelas rádios públicas européias, como a Deutsche Welle, BBC, RTP, RAI, Radio France, além de governos, como da China e do Equador.
O DRM foi oferecido na Europa como modelo em 1996, tendo o objetivo de recuperar a banda de AM, abaixo de 30MHz. Em seguida, a faixa de OM também mereceu estudos e foi implantada nos países consorciados tendo o sistema sido homologado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). Desde março de 2005, a DRM também passou a pesquisar resultados para banda de FM.
No Brasil, o DRM ensaiou testes em  FM, AM e OC, baseado em acordo até agora não finalizado entre emissoras, Anatel, Ministério das Comunicações e Universidade de Brasília. Não-proprietário, o DRM permite que seus consorciados desenvolvam pesquisas sobre a base tecnológica oferecida.
Os japoneses utilizam o sistema ISDB ou ISDB-T que trafega nas faixas de 189- 192 MHz e 2,535 a 2,655 GHZ. Flexível, apresenta características que lhe permitem recepção móvel para áudio e dados, sendo considerado o mais robusto entre os sistemas em operação no mundo. O ISDB-T, entretanto, só é utilizado no Japão.
Nos EUA é utilizado o padrão I-Biquity, desenvolvido pelo consórcio I-Biquity Digital com o processo In Band-on channel (IBOC), permitindo que as transmissões analógicas e digitais possam ser veiculadas no mesmo canal e na mesma faixa, sem a necessidade de faixas adicionais para veiculação de áudio e dados.
Os EUA têm 13.950 emissoras em operação2 e apenas 1500 delas já estão digitalizadas.
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Acordo realizado nos Estados Unidos pela I Biquity Digital deve propiciar condições de financiamento para que cerca de 2 mil radiodifusores possam converter o sinal de suas emissoras para digital de forma acelerada. Este processo caminha, entrementes, de modo lento. 

As discussões acerca do Rádio digital deveriam, entretanto, ser realizadas com mais calma, a exemplo do que acontece com a TVD. Os testes, sejam com o sistema Iboc, sejam com o sistema DRM,  realizados de modo simultâneo, dao tom de urgencia para que a decisão se realize com o mesmo rigor do SBTVD, com a inclusão de 
AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMUNICAÇÃO PARA O RÁDO BRASILEIRO: REGULAÇÃO DIGITALIZAÇÃO E INTEGRAÇÃO André Barbosa Filho*
Resumo: Este trabalho, abrigado no campo dos estudos de política de comunicação, visa a estabelecer padrões de entendimento sobre as políticas de comunicação pública no Brasil, especialmente com relação ao rádio comunitário. Abordando questões como regulação e estratégias de sustentabilidade das programações de emissoras públicas e comunitárias, procura avaliar as questões da mudança de paradigma tecnológica com a implementação do rádio digital.
Palavras-chave: rádio; rádio comunitário; rádio digital; políticas públicas de comunicação.
Abstract: This work, sheltered in the field of the studies of communication politics, aims at to establish agreement standards on the politics of pub- lic communication in Brazil, especially with relation to the communitarian radio. Approaching questions as regulation and strategies of susten- tabilidade of the programming of public and communitarian senders, it looks for to evaluate the questions of the change of technological para- digm with the implementation of the digital radio.
Key words: radio; communitarian radio; digital radio; public politics of communication.
* Doutor em Ciências da Comunicação pela ECA/USP; Mestre em Ciências da Comunicação pela Umesp. Radialista, músico e pesquisador. Atua como Assessor Especial da ministra-chefe da Casa Civil da Presidência da República para políticas públicas de comunicação. Autor dos livros: Gêneros radiofônicos: os programas e os formatos em áudio (Paulinas, 2003); Rádio: sintonia do futuro (Org.) (Paulinas, 2004) e Mídias digitais: convergência tecnológica e inclusão digital (Org.) (Paulinas, 2005). Pesquisador associado no LAPCom/UnB. – E-mail: sonido@uol.com.br
Conexão – Comunicação e Cultura, UCS, Caxias do Sul, v. 4, n. 7, p. 135-148, jan./jun. 2005
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INTRODUÇÃO
Nos últimos 30 anos, temos assistido ao crescimento da exploração dos servi- ços de comunicação audiovisuais e sonoros pela iniciativa privada. O evento tem sido observado em diversos países da Europa, onde, por décadas, o modelo de con- trole foi, eminentemente estatal, principalmente em relação aos complexos de administração da criação, produção e exibição de ações para o rádio e a televisão.
A escolha européia, em síntese, foi a de instaurar uma política pública de comunicação que, de imediato, fizesse frente aos altos investimentos de capital e acrescentar ao cenário midiático uma estratégia voltada para a manutenção do inte- resse coletivo. (PAULU, 1981). Entretanto, a observação dos resultados inerentes a esse esforço resultou, em alguns poucos casos, na manutenção de um sistema pú- blico de rádio e televisão atuante e, na grande maioria, na participação em alguns segmentos desinteressantes para o setor privado e, portanto, sem uma resposta de audiência significativa.
A máxima consagrada pelas democracias ocidentais quanto aos princípios essenciais da comunicação social diz respeito à liberdade de expressão, que, através do conjunto de normas jurídicas pertinentes, pretende assegurar ao cidadão, de forma indiscriminada, o direito à informação, à busca da verdade, à sua realização pessoal, à sua formação e ao apoio ao conhecimento dos direitos e das obrigações individuais, na tentativa de assegurar a todos uma sociedade jus- ta e integrada, na qual se persiga o permanente aperfeiçoamento das institui- ções. (VOGEL, 1994).
O aspecto fundamental desse processo de construção de idéias e atitudes re- side na estrita observância de regras básicas de competitividade entre as empresas do setor, e no estabelecimento de critérios de equilíbrio de oferta e demanda, regulados pelo Poder Público e por grupos representativos da sociedade civil. Respeita-se aí a diversidade de opiniões e o direito ao controverso, mantendo limites ao acesso do capital estrangeiro e praticando a defesa da empresa de comunicação nacional no que se refere à intervenção espúria nos conteúdos de suas produções artísticas e na veiculação de mensagens jornalísticas. (LINS, 2001).
A nova estrutura de informação, assegurada pelo fenomenal avanço tecno- lógico, permite alcançar, em segundos, bilhões de pessoas simultaneamente, em todo o planeta.
A linha de produção, dentro das modernas empresas de comunicação, é complexa, e suas especificidades reclamam uma organização nas áreas adminis- trativa, tecnológica e de recursos humanos, que representa – para sua manutenção diária – um gigantesco aporte financeiro, nem sempre disponível aos pequenos e médios empresários, aos sindicatos e às associações civis, atuantes nos países em desenvolvimento.
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Barbosa Filho, André. As políticas de comunicação para o rádio brasileiro...
Desse modo, podemos concluir que a dependência em relação às verbas public- itárias, à aquisição quase constante de instrumentos tecnológicos de produção e trans- missão (fruto das transformações provocadas pela permanente mudança nos sistemas de operação e programadas milimetricamente pelos fornecedores constituídos, primor- dialmente por empresas multinacionais), e à conseqüente dificuldade de formação de mão-de-obra qualificada e permanentemente atualizada, faz do radiodifusor nacional presa fácil do capital e de seus interesses. (BAGDIKIAN, 1993).
A tudo isso, soma-se a baixa oferta de freqüências para o exercício das ativi- dades ligadas à radiodifusão. Muito embora os novos serviços oferecidos como os sistemas a cabo, MMDS e satélites permitam pouco controle em relação à convi- vência de sinais, mesmo esses sofrem, por parte do Estado, o cerceamento legal para obtenção de concessões.
REGULAÇÃO DO CAMPO DA RADIOFUSÃO
As formas de organização do mercado de radiodifusão no mundo ocidental se apresentam do seguinte modo:
– o sistema de radiodifusão privado, acrescido de pequena participação de mercado pela radiodifusão estatal oficial e de emissoras de caráter público;
  • –  o sistema de monopólio estatal da radiodifusão, no qual é admitida, de
    modo incipiente, a presença de empresas independentes; e
  • –  o sistema misto, no qual, em virtude da quebra do monopólio estatal, as emissoras sedimentadas competem abertamente com as operadoras pri-
    vadas. (SQUIRRA, 1995).
    A necessidade de regulação dos serviços de radiodifusão ganhou espaço em diversos países, após sua privatização, especialmente naqueles onde havia a prática do controle estatal dos sistemas de produção e transmissão de produtos audiovisuais radiodifundidos. O modelo norte-americano foi o escolhido como referência.
    Nos EUA, questões referentes à pressão da mídia pelo governo central em busca de divulgação de suas posições ideológicas ou administrativas e a compulsiva fixação das li- nhas políticas de orientação da opinião pública pelos proprietários de veículos de informa- ção, aliam-se à coação dos anunciantes em direção aos veículos com o mesmo propósito, visando a influir nas ações governamentais para obtenção de vantagens. (LINS, 2001).
    Mas por lá, tais relações são parcialmente resolvidas pelo mercado, obede- cendo às diretrizes da livre competição, numa equação que reúne os fatores da defesa da livre expressão e da liberdade empreendedora, mesmo com a fiscalização da Federal Communications Commission (FCC), órgão regulador do setor que limita a alocação de freqüências e impõe normas e parâmetros técnicos de operação.
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Na Europa, especialmente na Itália, França, Alemanha e Inglaterra, o decan- tado processo de privatização, em alguns casos motivado pelo anseio dessas socie- dades em quebrar o monopólio estatal, através de transmissões baseadas no conceito da desobediência civil, gerou o fenômeno das rádios livres. Também gerou distorções na relação do controle dos veículos, como no caso italiano, onde se estabeleceu um duopólio entre a RAI, estatal, e a rede do grupo Fininvest, de Ber- lusconi, consolidada pela legislação de 1990.1
As regras dessa matriz reguladora foram montadas a partir de alguns con- ceitos retirados da prática cotidiana, respeitando questões operacionais, políticas e legais que podem ser descritas como segue:
– os veículos utilizam uma tecnologia de oferta restrita como o espectro ra- diofônico, as estradas de informação alimentadas por fibra ótica, canais adjacentes de serviços de telecomunicação em ociosidade. O agente fisca- lizador estabelece normas para a utilização desses recursos;
– os conteúdos artísticos e informativos estão sujeitos à fiscalização, tendo em vista a defesa dos direitos patrimoniais dos autores das obras e dos textos e a proteção do indivíduo menor de idade, visando à preservação dos valores morais; e
– em razão da tendência de concentração do aporte de verbas publicitárias em alguns poucos veículos de maior penetração popular e da conseqüente formação de oligopólios, o agente regulador deve ter o poder de estruturar uma política de coerção a esses abusos, objetivando o equilíbrio da oferta de idéias, a diversidade de opiniões e interpretação dos fatos, restringindo as tentativas insidiosas do controle informativo da opinião pública.
Tal regulação é realizada por agentes com características e poderes diferen- ciados. São exemplos, a administração direta pelo Estado ou por meio de fiscali- zação policial e a exercida por órgão regulador independente. (TEHRANIAN, 1990). Já no Brasil, a regulação das ações dos agentes de produção e da radiodifusão se dá através da administração direta, realizada pelo Ministério das Comunicações, cuja existência de um órgão independente tem importância reduzida, em razão de sua limitação como agente fiscalizador e normatizador dessas atividades.
No cenário mundial atual, um órgão regulador pode desempenhar funções específicas:
– a função de regulamentação – limitação sobre a propriedade de veículos, formação de grupos controladores, operação em rede, execução e fisca- lização dos serviços;
1 FEDERAZIONEDELLEIMPRESEDELLECOMUNICAZIONIEDELL’INFORMATICA(Federcomin). Il futuro di radio ed internet nel rapporto Federcomin. “L’evoluzione della radio”. Roma: Attività Svolte, 2002.
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  • –  a função de administração do setor – estabelecendo regras para o uso dos recur- sos de transmissão, a escolha dos concessionários, a observância dos indicadores e as situações localizadas de mudança do regime estatutário das empresas, etc.;
  • –  a função de controle – que estabelece critérios de verificação da qualidade técni- ca das transmissões, da gestão das empresas e dos conteúdos de programação; e
  • –  a função de julgamento e aplicação de penalidades – que inclui todos os procedimentos referentes à apuração, ao indiciamento e à utilização de
    sansões. (LINS, 2001).
    Uma questão a suscitar, atualmente, grande polêmica nas sociedades demo- cráticas, diz respeito ao controle dos conteúdos. A aplicação de restrições aponta para algumas direções, tais como: a garantia da diversidade de opiniões, a proteção ao menor, o controle da violência e da pornografia e as limitações dos espaços reservados à publicidade e ao telemarketing.
    No caso brasileiro, a ampla liberdade de expressão conquistada com a redemo- cratização traz em seu bojo restrições mínimas. As regras de limitação dos oligopólios estão restritas à limitação da propriedade de emissoras por pessoa física e região, o que não restringe a formação de redes, o poder das empresas na exploração de suportes multimídia e a manutenção perene de índices absolutos de audiência.
    Quanto à proteção ao menor, o controle da violência e da pornografia, a inser- ção de espaços publicitários com divulgação de produtos perniciosos à sua formação, nosso país tem legislação semelhante à de outros países ocidentais. Estabelece limi- tações de horário à exibição de programas de caráter erótico, proibindo, também, a veiculação de mensagens disseminadoras do uso de álcool e fumo, agrotóxicos, medi- camentos, armas e munições, durante a faixa de programação voltada para o público infantil, pedofilia e divulgação de sorteios e prêmios pelo serviço de telemarketing.
    RÁDIOS PÚBLICAS: AS POSSIBILIDADES DE REDES COMUNITÁRIAS
    A realidade da radiodifusão brasileira privada, conforme exposto acima, está à mercê das relações de mercado, submetida a restrições legais, cujo alcance tem, sem dúvida, parcos efeitos reais. A oferta de conteúdos, sem o comprometimento com as respostas imediatas aos investimentos publicitários, deve permitir a participação de agentes de modo a oferecer ao público uma visão multifacetada das realidades política, econômica e cultural. Deve, igualmente, estar ligada, ao incentivo de pro- postas de atuação de sistemas públicos de radiodifusão, cujo posicionamento marque uma posição complementar à representada pela mídia comercial.
    Assim, poderemos assegurar a manutenção de políticas de suporte à produção de conteúdos que atendam aos valores culturais e sociais e que representem as
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manifestações autenticamente populares, quase sempre distantes da programação de emissoras privadas.
Essa ausência sempre vem justificada pelo argumento de que tais inserções não asseguram o nível de audiência que os patrocinadores necessitam para investir. O que é paradoxal nessa análise é a verificação de que o sistema privado, tendo a criação de produtos sonoros e audiovisuais engessada pela ditadura dos índices das pesquisas de audiência, montou metodologias de auscultação dessa escolha. Isso acon- tece em reuniões periódicas de mensuração de tendências, de pesquisas qualitativas, cujos referenciais de preferência são medidos através da captação da opinião de grupos de indivíduos que apresentem um discutível perfil sociológico comum e a partir da observação de conteúdos pré-produzidos e alimentados pelos interesses comerciais. Desse modo, o que é autenticamente popular é substituído pelo popularesco, com a ingerência de uma oferta de programação artificial, licenciosa, preconceituosa e
consumista, numa autêntica política anestesiante de dominação.
A informação dos fatos políticos e econômicos relevantes, cujo teor necessite de

debate entre as partes envolvidas ou de um formato temático mais extenso e aprofun- dado para o seu necessário conhecimento, no mais das vezes recebe o desprezo das editorias das empresas de informação. Isso ocorre por não resultarem em manchetes que puxem as vendas ou que desatendam aos seus interesses, nem sempre transparentes.
Esses fatos devem estar presentes na oferta de programação de um sistema público, formado por redes integradas de emissoras educativas, universitárias, comu- nitárias e institucionais, conduzidas com esmero técnico e obedientes a um processo semiótico concernente à aproximação do universo de conhecimento da população em geral. E, principalmente, numa proposta que privilegie a voz dos locais, através da:
  • –  oferta da formação permanentemente atualizada de jornalistas, radialistas e técnicos para atuação nas suas regiões de origem, em parceria com as uni- versidades públicas, centros de aprendizagem e sindicatos;
  • –  montagem de núcleos regionais de produção e retransmissão de mensagens audiovisuais e sonoras de qualquer gênero, priorizando a demanda dos pú- blicos respectivos;
  • –  disponibilização dos meios de transmissão de sinais analógicos e/ou digitais, aproveitando e ampliando a estrutura da rede de radiodifusão institucional, como a Radiobras, com a inclusão de emissoras públicas independentes, educativas e/ou universitárias, de pequeno porte e de baixa potência ou comunitárias;
  • –  difusão dos variados e ricos acervos culturais e sociais presentes nas diversas regiões do País, dirigida à sociedade que os abriga, num processo de retroali- mentação que permita sua permanência e valorização, mediante ativa parti- cipação dos agentes sociais e da recepção desses conteúdos em canais locais públicos; e
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– realização de projetos de permuta de conteúdos com emissoras nacionais e internacionais, especialmente as iniciativas como a “Rede Sur”, projeto televisivo que soma esforços das emissoras públicas da Venezuela, do Uru- guai e da Argentina, objetivando a transmissão de produções variadas e de interesse popular.
Esses conteúdos não são escolhidos, obrigatoriamente, pelo critério discrimi- natório dos ditos detentores do saber, desrespeitando-se aí o gosto popular, através da parcialidade preferencial pelo dito bom gosto, baseada em valores culturais das elites, como tem sido, ao longo da história, a oferta de programação das rádios e TVs públicas brasileiras.
O público brasileiro, em geral, permanece – a se manter a atual oferta de conteúdos – apartado da produção, observação e reflexão de sua própria realidade, tendo em vista os índices absolutos de audiência referentes às programações comer- ciais em rede, transmitidas de grandes centros, onde se encontram os núcleos de produção e os grandes anunciantes, em detrimento da cobertura de eventos coti- dianos locais.
O investimento nessa nobre direção, aliado a um marco regulatório que permita a presença dos valores populares em nossos meios de comunicação sonoros e audiovisuais é urgente e indispensável. Só assim, será possível implantar políticas sociais necessárias para a conquista da verdadeira emancipação de todos os setores da sociedade brasileira.
PROPOSTAS DE FINANCIAMENTO DE UM PROJETO PÚBLICO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL SONORA E AUDIOVISUAL
O estudo da obtenção de receitas que façam frente às despesas de custeio e investimento – necessárias à implantação e à manutenção de emissoras públicas de Rádio e Televisão – passa, inicialmente, pela definição das características e propriedades estatutárias dessas instituições e pelas possibilidades de captação desses ativos.
As emissoras públicas brasileiras, apresentam-se como:
– empresas estatais, ligadas à administração direta do Estado, caso da Radio-

bras; e
–empresas públicas, sejam elas: fundações de caráter privado, nas quais

Estado e representantes da sociedade civil dividam o gerenciamento (exem- plo da Fundação Padre Anchieta, de São Paulo), sejam associações comu- nitárias; as fundações de caráter público que abriguem emissoras educa- tivas, além de emissoras universitárias, ligadas à estrutura das autarquias públicas de escopo educacional superior.
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A programação das emissoras públicas, em geral, segue linhas de atuação definidas, tais como:
  • –  divulgação de fatos e procedimentos de caráter público e governamental, nem sempre de forma independente e neutral;
  • –  divulgação de programação de elite, voltada a temas eruditos;
  • –  divulgação científica de debates, análises e estudos de casos, em espaços
    raríssimos;
  • –  divulgação de programação educativa e de ensino a distância;
  • –  programação infantil, com exemplos de grande êxito, inclusive na órbita
    internacional;
  • –  dramatização. Pequenas séries ou programas de esquetes;
  • –  esportes, quase nunca voltados para o desporto amador; e
  • –  espaços reservados à divulgação de programação local, de cultura popular e
    atividades comunitárias, além de programas com linguagem experimental.
    A adoção de práticas de captação de recursos, conhecida como apoio cultural, além da utilização das legislações de incentivo à cultura, são formas de sustentação de custos operacionais, que se somam, muitas vezes, a subsídios oferecidos pelo Poder Pú- blico. Essas verbas têm, muitas vezes, caráter pontual, tornando-se insuficientes para a manutenção de uma política desejada de enfrentamento sadio com a iniciativa privada.
    No mundo, a radiodifusão pública apresenta formas de financiamento dife- renciadas, tais como:
    contribuições espontâneas: como no caso das comunitárias e das rádios étnicas, na França e no Canadá e de campi, ligadas a alunos de universidades em países europeus;
    subsídios: como as rádios argentinas de fronteira, tais como incentivos fiscais para compra de equipamentos através da isenção de impostos, redução de taxas de fiscalização e de uso das freqüências;
    contrapartidas: alguns países, em troca da implantação e da manutenção de emissoras de caráter público, atendem aos pedidos de empresas para a obtenção de concessões em grandes centros;
    renúncia fiscal: são concedidas isenções como compensação a empresas que invistam em programações de rádios públicas. Em outros casos, admite-se essa aplicação como atividade típica de entidades sem fins lucrativos, viabilizando o custeio da empresa;
    aplicação direta de recursos públicos: é o caso mais comum, inclusive nos EUA, no Japão, em países europeus e no Brasil; e
    – veiculação de publicidade: modo que acaba recebendo críticas de empresas comerciais congêneres que alegam competição desleal, assim como a desvirtua- ção dos princípios norteadores daquelas entidades sem finalidades lucrativas.
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Hoje, com as restrições orçamentárias vigentes na economia de quase todos os países com políticas de restrições de gastos e enxugamento dos investimentos, os exemplos de parceria com a iniciativa privada são pouco alvissareiros.
Na Itália e na França, as rádios livres, inicialmente clandestinas – antes das leis nacionais como a do presidente gaulês François Mitterrand, que as alforriou no início dos anos 70 –, atingiram índices satisfatórios de audiência. Entretanto, ape- sar de poderem optar por um gerenciamento submetido às leis de mercado, escolheram, sistematicamente, a gestão sustentada com recursos do Poder Público.
No Brasil, sem adoção de qualquer política de sustentabilidade com apoio público, a roupagem comercial adotada pela maioria das emissoras de baixa potên- cia, além do uso com finalidades religiosas, acaba por isolar experiências genuínas, verdadeiramente comunitárias. São exemplos dignos de nota de um procedimento verdadeiramente comunitário:
  • –  a emissora fluminense Pop Goiaba que oferece programação alternativa ou as com propostas legítimas de divulgação da cultura e da diversidade;
  • –  a Rádio Constelação, de uma comunidade de deficientes visuais de Belo Horizonte;
  • –  a Rádio Muda, da Unicamp, criada pelos alunos na tentativa de exercitar novas propostas de linguagem sonora; e
  • –  a Rádio Heliópolis, fincada em meio à explosão populacional da favela Heliópolis, na Grande São Paulo.
    São exemplos reais, concretos do que se pode fazer em prol da liberdade de expressão, da diversidade cultural e do desenvolvimento local através da ferramenta de radiodifusão sonora. Mas entre as estimadas 14 mil emissoras não-autorizadas e que transmitem em sinal de FM em baixa potência, elas são exceções.
    O panorama hoje é sombrio. A pergunta que cabe é: de que forma podem ser construídas as regras do embate por uma comunicação livre, rica em expressividade, aberta a todos os tipos de intervenção?
    Acreditamos que é necessário e urgente que o Estado brasileiro crie um marco regulatório para estabelecer normas gerais, onde viceje a boa semente da liberdade e do acesso universal à informação.
    O Grupo de Trabalho Interministerial, criado em novembro de 2004, entre- gou relatório à Casa Civil da Presidência da República, em 10 de agosto de 2005, com propostas de modificação da legislação atual, solicitando medidas urgentes e pontuais quanto à transformação em ações educativas da atuação da Polícia Federal e da Anatel em relação ao fechamento das emissoras sem autorização, conforme pedido do presidente Lula.
    Em nossa compreensão, urge a construção de uma política que culmine numa conferência nacional de radiodifusão comunitária em 2006 na qual se pon-
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derem as questões de ordem nesse cenário de fundamental importância para ela- boração de uma identidade coletiva através da comunicação popular.
RADIO DIGITAL
Entre todas essas questões de fundamental importância, surge outro debate essencial, voltado à inevitável introdução da digitalização, o Rádio digital, já im- plantado em 35 países, atinge um número superior a 284 milhões de pessoas, recebendo programações emitidas por mais de 400 emissoras de rádio em recep- tores industrializados por mais de 22 marcas em todo o mundo. (NASCIMENTO, 2005). Ele oferece melhor qualidade sonora, inexistência de interferência, redes com emissoras na mesma freqüência (redes de freqüência única), rentabilizando o espectro radiofônico e permitindo a adição de textos, dados e até de imagens.
Este é um momento cuja questão da convergência e da mudança de sistemas de transmissão, produção e recepção de sinais não podem ficar à margem da universidade e da análise crítica da opinião pública, pois terá, com toda certeza, fortes implicações no projeto de emancipação da população brasileira em relação à sua inclusão digital, apoiado nos instrumentos de comunicação contemporâneos.
O Rádio digital abre oportunidades de criar/reconstruir textos e programas, através da construção e desconstrução sonora no ambiente de rede, permitindo o acréscimo individual de novos conteúdos e sua circulação em tempo real. Ou seja, de casa ou de uma sala de aula, uma ou mais pessoas com computador e acesso à internet podem rapidamente planejar e editar programas, utilizando outros for- matos disponíveis na rede.
Além de baratear os custos e dar mais agilidade e rapidez aos trabalhos, o Rádio digital possibilita a recepção simultânea convivendo com a construção de acervos pessoais, conhecidos como metadata ou podcasting. Esses acervos serão de grande ajuda para a instalação de Rádios comunitárias em diferentes regiões do País, permitindo a inclusão digital. Além disso, a utilização de informes em texto agregados à transmissão sonora poderá possibilitar a criação e o desenvolvimento de novos ou híbridos formatos, que ultrapassem os conhecidos até então, pensados diretamente pelos atores sociais envolvidos.
A instituição pioneira nos serviços de Rádio digital foi a BBC, de Londres, que desde 1995 se utiliza do sistema Digital Áudio Broadcasting (DAB) em rede nacional na Grã-Bretanha, como membro integrante do projeto EUREKA-147, padronizado pelo European Telecommunications Institute (Esti).
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Esse sistema DAB, para transmissões na banda de FM tem características sui generis; entre essas, a oferta de multisserviços, com a emissão de dados veiculados através de display de cristal líquido no receptor de rádio.
Apesar de poder ser aproveitada na freqüência mundialmente utilizada de 88 MHz a 108MHz, o DAB o é na Europa, no Canadá e na Austrália em freqüências diferenciadas.
Uma vertente do sistema terrestre DAB é a que opera via satélite, conhecida como Digital Satellite Radio (DSR) em freqüências regulamentadas pela World Ad- ministrative Radio Conference (WARC-92). No continente europeu duas empresas já estão operando pelo DSR, a Global Radio e a Alcatel World Space.
Outro sistema em operação na Europa é o Digital Radio Mondiale (DRM) administrado por um consórcio formado pelas rádios públicas européias, como a Deutsche Welle, BBC, RTP, RAI, Radio France, além de governos, como da China e do Equador.
O DRM foi oferecido na Europa como modelo em 1996, tendo o objetivo de recuperar a banda de AM, abaixo de 30MHz. Em seguida, a faixa de OM também mereceu estudos e foi implantada nos países consorciados tendo o sistema sido homologado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT). Desde março de 2005, a DRM também passou a pesquisar resultados para banda de FM.
No Brasil, o DRM ensaiou testes em OM e OC, baseado em acordo até agora não finalizado entre Radiobras, Anatel, Ministério das Comunicações e Universi- dade de Brasília. Não-proprietário, o DRM permite que seus consorciados desen- volvam pesquisas sobre a base tecnológica oferecida.
Os japoneses utilizam o sistema ISDB ou ISDB-T que trafega nas faixas de 189- 192 MHz e 2,535 a 2,655 GHZ. Flexível, apresenta características que lhe permitem recepção móvel para áudio e dados, sendo considerado o mais robusto entre os sistemas em operação no mundo. O ISDB-T, entretanto, só é utilizado no Japão.
Nos EUA é utilizado o padrão I-Biquity, desenvolvido pelo consórcio I-Biquity Digital com o processo In Band-on channel (IBOC), permitindo que as transmissões analógicas e digitais possam ser veiculadas no mesmo canal e na mesma faixa, sem a necessidade de faixas adicionais para veiculação de áudio e dados.
Os EUA têm 13.950 emissoras em operação2 e apenas 300 delas já estão digitalizadas. A conversão custa para cada radiodifusor cerca de 30 mil dólares (NASCIMENTO, 2005, p. 3), ou seja, cerca de 75 mil reais, custo proibitivo para pequenos radiodifusores e para comunitários.
2 FEDERAL COMMUNICATIONS COMMISSION. Digital radio. Disponível em: www.fcc.org. Acessado em: 25 ago. 2005.
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Acordo realizado nos Estados Unidos pela I Biquity Digital deve propiciar condições de financiamento para que cerca de 2 mil radiodifusores possam con- verter o sinal de suas emissoras para digital de forma acelerada. Mas está claro que o processo por inteiro ainda deve durar algum tempo mesmo num cenário onde a renda média é bem maior que a do Brasil.
A Abert anunciou, em 24 de agosto de 2005, o início de testes de Rádio digital no dia 26 de setembro, Dia do Radiodifusor. Segundo a publicação eletrônica PAY- TV, José Inácio Pizani, presidente da associação e a diretoria da entidade estiveram com o ministro Hélio Costa para tratar do tema. Pizani diz que seis emissoras de todo o Brasil estão prontas. Já o ministro Costa diz que são 12. De qualquer modo, não se fala em padrões. Costa disse que os testes podem ser feitos no padrão IBOC ou no DRM, ou em qualquer outro, a critério das emissoras. A Abert, manifestadamente, prefere e defende o IBOC, e provavelmente, esse será o padrão testado. Pizani diz que a Gradiente está se comprometendo a produzir terminais no Brasil. As autorizações para testes serão dadas pela Anatel. O ministro Hélio Costa afirmou que essas licenças sairiam em 15 dias a partir do pedido. E de fato estão saindo.
As discussões acerca do Rádio digital deveriam, entretanto, ser realizadas com mais calma, a exemplo do que acontece com a TVD. Os testes, sejam com o sistema Iboc, sejam com o sistema DRM, devem ser realizados o quanto antes, de modo simultâneo, para que a decisão se realize com o mesmo rigor do SBTVD, com a inclusão de questões como planta industrial e desenvolvimento de P&D, com a participação da universidade brasileira. Os dois projetos – de TV e Rádio digital – seguem as propostas de inclusão digital e social sugeridas pela Sociedade da Informação; mas, para serem colocados em prática, necessitam de regulação e normatização.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O desafio para a implantação de um sistema público de comunicação audiovi- sual e sonora, em nosso país, tem proporções gigantescas. Numa sociedade onde a cultura do consumo e do imediatismo, impregnada pelo ambiente aculturado, é estimulada pela postura predatória do mercado, resta o abrigo em projetos que, em prol de uma nova relação com o consumidor, vêm sendo desenvolvidos pela iniciativa privada como os que aparecem com a marca da responsabilidade social. Nesse sentido, as parcerias, chamadas apoios culturais são uma realidade auspiciosa, mas verdadeiramente insuficientes.
Por outro lado, o incentivo à criação de uma grande rede pública broad- casting, com a participação do sistema institucional de televisão e rádio, remo- delado, modernizado, reestruturado e integrado pelas emissoras educativas e uni-
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versitárias, além do apoio de empresas, sindicatos, associações não-governamentais, etc., pode se transformar, no grande espaço de discussão dos valores e princípios de uma sociedade organizada, multirracial, pluralista e democrática.
Esse não será um trabalho fácil. Mas é, sem dúvida, um projeto facilitador da inclusão e da conquista plena da cidadania. As iniciativas da Associação Brasileira de TVs Universitárias (ABTU) e da Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais (Abepec) vão nessa direção e merecem elogio e apoio. Já existem, em rede, várias iniciativas que geraram um constante fluxo de produções regionais que, embora incipiente, tornou-se emblemático. O quadro factual de produção pode ser explicado por uma forte concentração da geração de conteúdos a partir da TV Cultura, de São Paulo, e da TVE Rio de Janeiro.
Com uma nova estrutura, o resultado da produção de cada centro gerador, irradiador e alimentador da rede e, por certo, de toda a rede pública a ser dispo- nibilizada, estará à disposição das emissoras retransmissoras do País e da tão decan- tada e esperada, mas ainda não-viabilizada, rede de emissoras comunitárias.
Essa rede, proibida hoje por lei, é, na verdade, o caminho de sustentabilida- de dessas emissoras. A criação de células regionais de produção, ligadas a coope- rativas regionais de rádios comunitárias podem não apenas garantir sua subsis- tência, mas também a presença de programação que represente o real interesse das comunidades, incentivando a formação de radialistas e a renovação e oxigenação dos conceitos.
Uma rede de rádios públicas pela WEB é, também, alternativa de grande alcance, propiciando a oferta e a fixação dos conteúdos sonoros, de modo simul- tâneo ou on-demand. Ela estará, por certo, rivalizando com os sinais das progra- mações por assinatura, enviadas via satélite, dentro do bojo do sistema digital, cujas possibilidades de produção e captação das mensagens sonoras e audiovisuais são extremamente interessantes.
É por lá, por exemplo, que poderão estar embarcados aplicativos que sirvam como base para a construção de programas sonoros, numa grande “cesta básica”, onde estejam à disposição do público, trilhas sonoras, trilhas de efeitos, vinhetas, tutoriais para construção de formatos, regras para uma boa locução, etc. E tudo de graça, com acesso universal. Isso não é uma mera elucubração: é um fato e está em nossas mãos construir esse espaço de comunicação e expressividade popular.
Estimular as formas de expressividade popular, buscando aprofundar o conhecimento da identidade cultural da população, através do uso de espaços públicos de comunicação eletrônica, é, sem dúvida, estar plantando semente boa em terreno fértil, cuja colheita será desfrutada pelas novas gerações.
Esse é um momento ímpar, no qual a mudança para uma nova ordem tecnológica pode assegurar a condução de políticas efetivas que proporcionem a oportundade de diminuir as graves diferenças sociais a partir do acesso à informação.

REFERÊNCIAS
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BARBOSA FILHO, André; CASTRO, Cosette; TOME, Takashi.
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Um comentário:

  1. Excelente publicação. No campo do Rádio Digital, e algumas vezes temos expressado opiniões que demonstram a perda do interesse acentuada a cada dia pela classe empresarial e até pela massa de ouvintes que estão mais utilizando o seguimento "cross midia" muito antes dos empresarios.

    Vemos agora movimento de empresários em São Paulo que agora mergulham neste oceano da míidia cruzada buscando ao fundo o resgate da perenização.

    Vimos também o Relatório do Radio Digital do Deputado Sandro Alex, que sugere a adoção de dois sistemas que pode parecer uma solução a la carte, mas passa pelo self service e termina de fato a peso, com sintomas de falta de peso parodiando nosso dia a dia diante da insaciável fome de fontes e modelos de negócios na radiodifusão.

    Muito bom o seu trabalho, e me confesso um pouco cansado do tema, mas lutamos novamente ao amanhecer.

    Meu abraço.

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