Organizações responsáveis-técnicas pela internet querem se emancipar dos EUA
As revelações dos últimos meses sobre o monitoramento da internet exercido pelo governo norte-americano podem fazer com que os Estados Unidos percam o controle das instituições encarregadas do funcionamento da rede mundial de computadores. De qualquer maneira, uma revolta tem surgido entre diferentes instâncias técnicas do mundo, encarregadas de definir os padrões e administrar os recursos da rede. E é o Brasil que poderá liderar e centralizar essa vontade de emancipação.
Reunidos em Montevidéu, no Uruguai, os líderes de organizações responsáveis pela infraestrutura técnica da internet fizeram um apelo, na segunda-feira (7), pela emancipação da ICANN (Internet Corporation for Assigned Names and Numbers) e da IANA (Internet Assigned Numbers Authority). Eles declararam que é preciso acelerar "a globalização das funções da IANA e da ICANN na direção de um ambiente no qual todas as partes interessadas, inclusive todos os governos, participem em um pé de igualdade."
A ICANN gerencia os endereços de conexão à internet (endereços IP) e os nomes de domínio (como Lemonde.fr) em nível mundial. Ela o faz sob o controle do departamento americano de comércio.
A declaração foi endossada pela IETF (Internet Engineering Task Force) e pelo W3C (The World Wide Web Consortium), encarregado dos padrões técnicos da internet, pela ICANN e suas sociedades irmãs, bem como por quatro gestores regionais de endereços IP e pela Internet Society, defensora histórica de uma internet aberta.
"A declaração de Montevidéu foi algo histórico, nunca essas organizações, responsáveis técnicas pela internet, haviam interpelado dessa forma o governo americano", diz Bernard Benhamou, representante para usos de internet no Ministério da Economia Digital e ex-negociador da ONU.
Após o escândalo do monitoramento das comunicações mundiais pela NSA (National Security Agency), o domínio dos Estados Unidos sobre as instituições que definem as regras da internet e as aplicam se tornou um grande assunto da política internacional. O país que cria as regras da rede mundial as estaria distorcendo para vantagem própria.
As instâncias mundiais "técnicas", que acreditavam estar protegidas dos jogos políticos, agora mostram seu repúdio pelos métodos americanos.
Cúpula em 2014 no Brasil
Nesse contexto, o Brasil se tornou um interlocutor de primeira. Após a declaração de Montevidéu, o presidente da ICANN, Fadi Chehadé, encontrou a presidente brasileira Dilma Rousseff para lhe pedir que exerça a liderança na criação de uma nova governança da internet mais igualitária, relata o blog Internet Governance Project.
Essa declaração traduz claramente a vontade de uma supervisão entre Estados, "como substituto de uma supervisão americana, ainda que não exista nenhum projeto específico", explica o site. "Nós decidimos que o Brasil receberá, em abril de 2014, uma cúpula internacional de governos, indústrias e acadêmicos" sobre a questão da governança, declarou a presidente brasileira.
O voluntarismo brasileiro não é somente oportunismo político. A revelação de que a NSA espionou diretamente a presidente brasileira Dilma Rousseff foi um choque para o país.
Essa descoberta levou à convocação do embaixador americano e depois ao adiamento de uma visita de Dilma Rousseff aos Estados Unidos, em meados de setembro, enquanto a situação não fosse esclarecida.
A presidente afirmou que quer mais independência e segurança para a internet brasileira. Além disso, o país pediu, no início de outubro, explicações ao Canadá, que teria conduzido uma espionagem "inaceitável" do Ministério das Minas e Energia, e exigiu de seus "aliados" a suspensão do monitoramento.
As revelações sobre a espionagem mundial foram um desencadeador, mas não o único. A aceleração da reflexão nos países emergentes teve um primeiro motivo: a cúpula da ONU sobre a governança da internet em Dubai, em dezembro de 2012.
Essa cúpula presenciou os Estados Unidos e os "grandes emergentes" (entre eles a Rússia) brigarem pelo controle da internet, tendo como pano de fundo o risco de ver certos países não-democráticos "nacionalizarem" suas redes.
Entre um controle americano e a fragmentação da internet por país, há quem tente encontrar uma solução para uma gestão mundial da rede.
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